Claudio Salerno
\ mestre ótico
Foi diante da necessidade que encontrei meu propósito de vida, o ofício que desempenho até hoje, 64 anos depois do meu primeiro emprego. Aos 10 anos, comecei a trabalhar como office boy na Ótica Jabaquara, que ficava na Praça da Árvore. Meu tio, irmão do meu pai, era o dono da loja e montador chefe. Sempre que podia, parava o que estava fazendo para me ensinar e foi assim que aprendi a sobre a montagem de óculos, tudo de maneira manual, sem nenhuma tecnologia.
Desde então, acompanhei toda a evolução das lentes, das armações, do processo de modelagem, da busca pelo contorno perfeito, uma tarefa, muitas vezes, artesanal, para chegar ao que entendo ser o melhor óculos para aquela pessoa. Sem distorções, efeitos colaterais, um equilíbrio entre o estilo da armação a qualidade da lente que leva as pessoas a enxergarem melhor.
Talvez este tenha sido um dos motivos que me fez manter três gerações de famílias como clientes. Um olhar que, literalmente, foi passando de pai pra filho. A busca por novas especializações, cursos, práticas, a pesquisa sobre o que estava sendo feito de melhor nessa área em outras partes do mundo, uma curiosidade que nunca me abandonou ao longo desses anos e que conferiu uma sensação de estar sempre diante do novo, de um novo jeito de ver meu próprio ofício.
Foi na impossibilidade que encontrei novos caminhos e criei diferenciais, me tornei um especialista, um mestre ótico, que procura ver além da lente, com uma escuta que me permite entender a necessidade de cada pessoa que cruza a porta da minha loja. As pessoas deixaram de se escutar, por falta de tempo, de disposição, mas o que nós oferecemos não está nas prateleiras, não tem uma fórmula única, muda de acordo com a necessidade, com a história de cada um.
Em 1974, quando decidi empreender, a rua Fradique Coutinho, na Vila Madalena, tinha poucas lojas, a maioria comércios que se arriscavam e fechavam pouco tempo depois. Diferentemente deles, sabia que não podia falhar. Tinha uma chance pra fazer dar certo. Casado há dois anos e com a minha filha mais velha recém-nascida, vendi meu carro e consegui um empréstimo com um amigo que me acompanha até hoje. Foi assim que eu e minha companheira de vida, Maria Luiza, abrimos a Profótica, no dia 1º de Abril.
Ao longo das cinco décadas no bairro vi lojas nascerem, prosperarem e muitas fecharem as portas semanas depois. Hoje, estou à frente da loja mais antiga da rua. Muitos me perguntam sobre o segredo de resistir a crises, mudanças de regras na economia, tantos presidentes, moedas e até da maior crise sanitária do século.
Quando penso no que me fez ter uma história diferente de tantos colegas, de comércios da mesma área que tiveram de desistir por falta de fôlego financeiro, acho que foi o fato de gostar de conviver e trocar com as pessoas, gostar de gente mais do que de óculos. Sabe por que? Porque elas, as pessoas, não saem de moda. Nunca.